Nosso enviado especial, Walter Tommasi, visita a Alsácia, região trinacional da França, na fronteira com Alemanha e Suíça, lendária pela uva Riesling – e descobriu novos e surpreendentes sabores no vinho local
Texto e fotos Walter Tommasi
Entender o potencial de um vinho, uma variedade ou uma região passa por um processo de aprendizagem que inclui o conhecimento básico do que estamos tomando, o conceitual por trás de cada exemplar, e, definitivamente, uma certa “litragem”; só assim podemos nos considerar aptos a dar uma opinião abalizada sobre vinhos. Sempre considerei a Riesling minha variedade favorita entre as brancas, pelo fato de ter características fundamentais num vinho branco: frescor, complexidade olfativa e grande potencial de guarda, além daquele ”plus” dos aromas minerais que tanto me agradam nessa varietal. Mas devo admitir que, pela minha não tão ampla experiência com essa variedade, sempre considerei os vinhos alemães e austríacos um passo à frente, deixando os alsacianos em segundo plano, visto achá-los um pouco menos expressivos. Pura falta de experiência. Mas tudo mudou recentemente após eu ser convidado pela Sopexa a conhecer a região e seus principais produtores. Como diriam alguns, “fiquei de queixo caído” com o que vi e provei. Como resultado dessa viagem, passei a ser um neófito literalmente apaixonado pelos vinhos da região. Antes de descrever a viagem e os maravilhosos vinhos que tivemos a oportunidade de provar, devo registrar as belezas naturais da região, com sua topografia ondulada, seus castelos e suas cores. O registro histórico e sua arquitetura, predominantemente germânica, com floreiras multicoloridas, os marcantes crucifixos espalhados pelas regiões de domínio católico, os primorosos jardins minuciosamente cuidados, as cegonhas e seus ninhos, e, finalmente, sua variada gastronomia, que une o melhor das duas culturas, do sofisticado foie gras francês ao tradicional joelho de porco alemão. Enfim, tudo por lá é incrivelmente bonito, calmo, germanicamente organizado, mas com aquele charme francês, o que faz da Alsácia uma região obrigatória nas listas de viagem daqueles que realmente curtem a vida. E, a partir de agora, fica minha dica para os que decidirem visitar o local: não deixe de fazer a rota dos vinhos, 170 km de pura felicidade e encanto.
A hora e a vez dos vinhos
Se tivesse apenas uma palavra para descrevê-los esta será seria: surpreendentes. Como não bastasse a altíssima qualidade os vinhos brancos alsacianos são hoje realmente os de melhor custo- benefício do planeta. E não se restringem apenas à minha variedade favorita, a Riesling. Degustamos muitos Gewurztraminer, com toda aquela estrutura e exuberância aromática de nuances florais e frutadas. Foram vários Pinot Gris, opulentos e complexos, alguns marcantes Pinot Blanc, sempre delicados e frutados, poucos Sylvaner, leves e frescos, os Muscat secos e encantadores, raros Pinot Noir marcados pela estrutura de corpo amplo. Sem esquecer os deliciosos e borbulhantesCremant D’Alsace. Enfim, um incrível mosaico de variedades, todas plantadas entre as cidades de Strasburgo e Mulhouse, passando por Ribeauville e Colmar, onde se encontram alguns de seus mais expressivos Grand Crus.
Para descrever em detalhes esta maravilhosa viagem, narrando a vocês os principais detalhes de cada visita, seria necessária uma edição exclusiva. Como infelizmente não temos esse espaço, faço aqui um resumo das vinícolas visitadas, nomeando nossos respectivos anfitriões e fazendo um curto descritivo do vinho considerado por mim como o mais significativo de cada produtor, além de informações básicas do cru de onde as uvas foram originadas e as importadoras que os representam no Brasil. Vamos a eles:
Marc Kreydenweiss – Localizada em Andlau, fomos recepcionados por Antony Kreydenweiss. Riesling Grand Cru 2008: vinho biodinâmico elaborado com uvas de Kalstelberg. Um perfeito exemplo do que um Riesling deve ser: mineral, cítrico, borracha, alta acidez, toque tânico, final de boca fresco e frutado. Representado no Brasil pela World Wine.
Frey Sohler – Localizado em Scherwiller, fomos recepcionados por Damien Sohler. Gewurztraminer Vendages Tardives Millesime 2008: elaborado com uvas de Scherwiller. Mel, frutas tropicais maduras, potente, estruturado, macio, longo. Representado no Brasil pela Casa Santa Luzia.
Vinicole D’Orschwiller – Na cidade de mesmo nome, fomos recepcionados por André Maldonado. Riesling Grand Cru 2002: elaborado com uvas de Praelatenberg. Aromas limpos de pedra molhada, petrolato e frutas maduras. Na boca, seco, fresco com aquele delicioso toque de frutas evoluídas. Representada no Brasil pela Casa do Vinho.
Gustav Lorentz – Localizada em Bergheim, fomos recepcionados por Pascal Schielle. Pinot Gris Selection de Grains Nobles 1989: elaborado com uvas dos Grand Crus de Altenberg e Kanzlerberg. Uma explosão de aromas, figo,
botrytis, mel, nozes, boca com alta acidez, alta complexidade. Representado no Brasil pela Vinhos do Mundo.
botrytis, mel, nozes, boca com alta acidez, alta complexidade. Representado no Brasil pela Vinhos do Mundo.
Domaines Schlumberger – Localizada em Guebwiller, fomos recepcionados por Sèverine Schlumberger. Riesling Grand Cru Saering 2007: elaborado com uvas de Saering, o mais seco dos vinhos da casa, marcado pela alta mineralidade, aromas cítricos, e de flores brancas; na boca, alta acidez, vívido com longa persistência e final de boca muito fresco. Representada no Brasil pela Taste de Vin.
Domaine Barmes Buecher – Localizada em Wettolsheim, onde fomos recepcionados por Geneviève Barmes. Pinot Noir Grand Cru Vieille Vignes 2009: vinho biodinâmico elaborado com uvas de Wettolsheim. Mesmo produzindo grandes vinhos brancos, este Pinot Noir foi um dos mais delicados que tomei na Alsácia. Muita fruta negra, especiarias e couro, boca elegante com alta acidez e final de boca frutado. Representada no Brasil pela Casa Flora.
Albert Mann – Localizada em Wettolsheim, onde fomos recepcionado pela dinâmica proprietária Marie Thérèse Barthelme. Gewurztraminer Furstentum Grand Cru Sélection de Grains Nobles 2010: vinho biodinâmico elaborado com uvas de Furstentum, um vinho de altíssima qualidade marcado pelos aromas de botrytis, mel e damasco, limpo, com acidez marcante e ótimo balaço de boca. Representado no Brasil pela importadora Cellar.
Domaine Weinbach Faller – Localizada em Kientzheim, onde fomos recepcionados pela aristocrática proprietária Catherine Faller. Pinot Gris Quintessence de Grains Nobles 2008: vinho biodinâmico elaborado com uvas de Altenbourg, complexo, com notas de maçã cozida, botrytis, mel e cana de açúcar. Na boca, alta acidez, puro, dulçor no ponto certo e novamente final de boca com torta de maçã. Representada no Brasil pela Grand Cru.
Domaine Paul Blanck – Também localizada em Kientzheim, onde fomos recepcionados pelo ativo Philippe Blanck. Riesling Wineck Grand Cru 2007: elaborado com uvas de Schlossberg , o mais seco dos seus Rieslings, grapefruit, mineral e toques florais, elegante e com ótimo balanço de boca, retrogosto com toques de limão siciliano. Representada no Brasil pela Decanter.
Cave de Ribeauville – Cooperativa localizada na cidade que lhe dá o nome, onde fomos recepcionados pela enóloga Evelyne Dodlinger. Clos Du Zahnacker 2007: blend muito interessante elaborado com Riesling, Pinot Gris e Gewurztraminer do cru Osterberg. Vinho bastante complexo com predominância mineral e cítrico e com boa estrutura de boca. Representada no Brasil pela Chez France.
Léon Beyer– Localizado em Eguisheim, onde fomos recebido pelo atencioso proprietário Yann Beyer. Pinot Gris Comtes D’ Eguisheim 2007: elaborado com uvas de Pfersigberg e Eichberg, no nariz muitas frutas evoluídas, mineral e toque defumado. Na boca, muita acidez, boa estrutura e final de boca fresco, confirmando o olfativo. Representado no Brasil pela Vinci.
Domaine Jean Marie Haag – Localizado em Soultzmatt, fomos recebidos por Madame Haag. Riesling Grand Cru 2010: elaborado com uvas de Zinnkoepfle, olfativamente muito limpo, com nuances minerais e cítricas. Na boca, alta acidez e elegância. Representada no Brasil pela Chez France.
Domaine Ernest Burn – Localizada em Gueberschwihr, onde fomos recepcionados pelo casal Burn. Riesling Grand Cru La Chapelle 2008: elaborado com uvas de Goldert, talvez o meu Riesling favorito, muito mineral, petrolato, casca de limão e borracha. Na boca, alta acidez, corpo médio, elegante e final de boca muito fresco. Mr. Burn só serviu orgulhosamente este vinho após perceber que os três visitantes tinham preferência
pelos vinhos mais secos e ácidos. Infelizmente sem representantes no Brasil. Grande oportunidade para importadoras que não tenham Alsácia em seus portfólios.
pelos vinhos mais secos e ácidos. Infelizmente sem representantes no Brasil. Grande oportunidade para importadoras que não tenham Alsácia em seus portfólios.
Hugel ET Fils – Localizado em Riquewihr, onde fomos recepcionados pelo descontraído e alegre Etienne Hugel. Riesling Hugel Jubilee 2007: mesmo sem utilizar a denominação Grand Cru, elabora seu vinho com uvas de Schoenenbourg. Complexo, mineral, petrolato, borracha e delicada fruta. Na boca, limpo, ótima acidez e elegante. Representado no Brasil pela World Wine.
Dopff au Moulin – Também localizada em Riquewihr, onde fomos recepcionados por Philippe Durst. Cremant Chardonnay 2008: delicioso Cremant, com acidez cortante, corpo médio e aromas marcados por frutas secas e avelãs. Representados no Brasil pela Mistral.
Todos os vinhos da Alsácia fazem parte de uma das suas três D.O.C. que regulamentam a produção da região:
AOC Alsace – Estabelecida em 1962, engloba 75% da produção local, da qual 92% refere-se a castas brancas. Nesta classe os rótulos mencionam o nome da variedade utilizada, a marca e, no caso de blends, os termos Edelzwicker (corte de várias variedades locais sem limitações) ou Gentil (corte com pelo menos 50% de vinhas nobres, como a Riesling, Muscat, Pinot Gris e/ou Gewurztraminer ). O rótulo pode conter também o vilarejo ou o vinhedo de origem das uvas.
AOC Alsac e Grand Cru – Estabelecida em 1975, essa classe contempla vinhos elaborados apenas com as quatro variedades nobres, existindo legislação específica para regular sua produção. Seu rótulo deve mencionar a variedade, a safra e o vinhedo, devendo este ser um dos 51 autorizados. É nesta AOC que se concentram os grandes vinhos da região e que representam apenas 4% da produção local.
AOC Cremad D’Alsace – Estabelecida em 1976, acolhe os espumante elaborados pelo método tradicional, nos quais a Pinot Blanc predomina acompanhada pela Pinot Gris, Pinot Noir e Chardonnay. Seu volume representa 21% da produção local. OBS: Dentro da OAC Alsace Grand Cru, existem duas subdenominações que fazem a cabeça dos apreciadores de bons vinhos doces:
Vendanges tardives
Vinhos doces elaborados com uvas sobremaduras colhidas semanas após a janela normal utilizada para vinhos secos. As uvas podem ou não ser bortytizadas e são consideradas como a compatibilização perfeita com o Foie Gras e sobremesas não muito doces. Os vinhos são produzidos principalmente com a Gewurztraminer, e menos frequentemente com a Pinot Gris, Riesling ou Muscat.
SGN (Selection de Grains Nobles) – Vinhos doces elaborados a partir de uvas sobremaduras atacadas pela Botytis Cinerea. Vinhos raros de grande estrutura, extremamente aromáticos e longos, normalmente tomados sozinhos como vinhos de reflexão ou acompanhando sobremesas. Em sua produção utilizamse as mesmas variedades do Vendanges Tardives.
Dicas sobre os vinhos alsacianos
Os Grand Crus são agradáveis para serem tomados em sua juventude, mas ficam ainda melhores com tempo de garrafa 5 a 10 anos, quando ganham com sua maturidade e expressam toda a sua complexidade olfativa.
Por serem vinhos delicados, manifestam seu melhor entre 8 e 10 graus; abaixo disso, perdem aromaticamente. Sua conservação deve ser feita em temperatura constante entre 10 e 15 graus e em posição horizontal.
As grandes safras foram: 1983, 1985, 1988, 1989, 1997, 2002, 2007, 2008, e 2009.
Dicas de harmonização
Sylvaner – Tradicionalmente com marisco, ostras, mexilhões, mas pode surpreender com fondue de queijo.
Pinot Blanc – Tradicionalmente com peixes e carnes brancas, mas prove-o também com quiches e queijos doces tipo Gruyere.
Riesling – Um dos mais ecléticos vinhos brancos, vai bem com peixes, carnes brancas e vermelhas, assim como cozidos sem muito tempero, surpreende também com sushi, pratos com toques cítricos e queijo de cabra.
Muscat – Um vinho adequado para aperitivos. Compatibiliza bem com verduras cozidas e cruas e com o delicioso, mas difícil em harmonização, aspargo.
Pinot Gris – Tradicionalmente vai muito bem com o Foie gras e com carnes brancas, mas surpreende com pratos à base de cogumelos.
Gewurztraminer – Um grande vinho para acompanhar queijos de sabor intenso na linha dos Munster, Livarot, mas casa muito bem com as perfumadas cozinhas asiática, hindu e marroquina.
Pinot Noir – Adequado para acompanhar carnes vermelhas.
Pinot Blanc – Tradicionalmente com peixes e carnes brancas, mas prove-o também com quiches e queijos doces tipo Gruyere.
Riesling – Um dos mais ecléticos vinhos brancos, vai bem com peixes, carnes brancas e vermelhas, assim como cozidos sem muito tempero, surpreende também com sushi, pratos com toques cítricos e queijo de cabra.
Muscat – Um vinho adequado para aperitivos. Compatibiliza bem com verduras cozidas e cruas e com o delicioso, mas difícil em harmonização, aspargo.
Pinot Gris – Tradicionalmente vai muito bem com o Foie gras e com carnes brancas, mas surpreende com pratos à base de cogumelos.
Gewurztraminer – Um grande vinho para acompanhar queijos de sabor intenso na linha dos Munster, Livarot, mas casa muito bem com as perfumadas cozinhas asiática, hindu e marroquina.
Pinot Noir – Adequado para acompanhar carnes vermelhas.
Obrigado por tuas plavras Flávio. Compartilhamos a mesma opinião, e adicionaria a Alsácia e ao Loire os Cru de Beaujolais, boa semana
Show de artigo, Tommasi! Adoro os vinhos da Alsácia, que para nossa sorte, continuam "underrrated", assim como aqueles do Loire.
Abraços,
Flávio