COLUNISTAS – CARMENÈRE: DEBUTANDO PELA SEGUNDA VEZ

CARMENÈRE: DEBUTANDO PELA SEGUNDA VEZ

Por: Sérgio Inglez de Souza

Num dia qualquer no Médoc, perdido nos porões do passado, alguém apanhou cachos da casta bordalesa Carmenère, provou e aprovou. Estava descoberto um novo perfil de vinho que foi um sucesso. Os tempos se passaram e essa variedade integrou-se definitivamente entre aquelas castas que conformam os cortes bordaleses.
A Carmenère é uma videira resultante da hibridação natural entre a Gros Cabernet e a Cabernet Franc, que ficou conhecida por diversos nomes: Grande Vidure, Grant-Carmenet, Carbouet, Cabernelle, Carmenelle e Carmenère.
Depois de muitos e muitos anos, a videira Carmenère começou a apresentar problemas na maturação dos seus cachos, que eram atacados por uma doença que murchava os bagos e prejudicava drasticamente a sua produção. Esse ponto fraco fez com que as outras castas, Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc, Malbec e Petit Verdot, fossem se consolidando na formação da maioria dos cortes de Bordeaux.
O golpe fulminante veio na década de 1860, quando o flagelo da filoxera devastou os vinhedos europeus. A solução encontrada foi a enxertia dos “garfos” de viníferas sobre os “cavalos” de americanas, que tornou possível a reconstituição definitiva dos vinhedos. Nesse momento, a retomada obedeceu a uma certa seletividade das variedades de melhor desempenho em Bordeaux, ocorrendo que a casta Carmenère foi deixada de lado e, por isso mesmo, considerada extinta do encepamento mundial.
No programa de ampliação do número de castas francesas no Chile, foram feitas importações de mudas de Merlot que deram base para a formação de extensos vinhedos. Quando estes atingiram a idade de produção, deram origem a problemas na vinificação – os vinhos traziam um certo amargor e um toque vegetal exagerado de pirazina.
Mistério ou tabu, o Merlot chileno não repetia a plenitude e a elegância do Cabernet Sauvignon!
Dentre os que estudaram o assunto, em 1991, o ampelógrafo Claude Valat sugeriu que havia manchas de Cabernet Franc misturadas nos vinhedos de Merlot. Essa constatação que até poderia ter explicado a face problemática do Merlot chileno, foi definitivamente descartada em 1994, quando o ampelógrafo francês, Jean-Michel Boursiquot, dedicou tempo e pesquisa dentro dos próprios vinhedos. Acompanhou as fases do ciclo anual em busca de diferenças e, entre elas, constatou a existência de manchas de uma videira diferente no meio da Merlot.
Essas videiras diferentes apresentavam brotação com coloração carmim em vez de verde-claro. Em seguida, certificou-se que a maturação acontecia com atraso de cerca de um mês, dando base para se indicar a origem do amargor do vinho Merlot produzido. Estudando mais minuciosamente os dois tipos de videira e assistindo ao transcorrer do ciclo anual, concluiu que as videiras tardias e com brotação de cor carmim eram da casta vinífera Carmenère. Dos estudos de Boursiquot renascia a Carmenère para uma vida nova, num país novo, do qual se tornaria uma casta emblemática.
No dia 26 de novembro de 2009, no grande salão oval de tanques de vinificação da Bodega Clos Apalta, da Viña Lapostolle, foram comemorados os 15 anos da redescoberta da Carmenère, ocasião em que esta “jovem” foi a debutante no grande jantar de gala de encerramento do Primeiro Seminário Colchagua Carmenère.
A Ministra da Agricultura do Chile estava presente nessa primeira homenagem oficial de reconhecimento público do grande feito do ampelógrafo Jean-Michel Boursiquot.
Na atualidade, a Carmenère, a Cabernet Sauvignon e a Chardonnay, formam o trio de ouro da vitivinicultura de alta qualidade do Chile.

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